O jornalismo brasileiro deve criar oportunidades com foco na
cidadania, para noticiar as desigualdades raciais e o racismo. A
recomendação é do jornalista Heraldo Pereira, que discursou hoje (10) no
lançamento da segunda edição do Prêmio Nacional Jornalista Abdias
Nascimento, da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial
(Cojira-Rio).
“Devemos criar possibilidades [jornalísticas]”, disse Heraldo. “Isso
não é ativismo político, é defesa dos direitos humanos, da cidadania.
Dirão que queremos dividir a sociedade, mas, quando mostrarmos números
[estatísticas da desigualdade], não tem quem não ficará constrangido”,
completou o jornalista, que é negro.
Em uma fala marcada por referências a jornalistas negros, como o
próprio Abdias Nascimento, que dá nome ao prêmio, Luiz Gama, José do
Patrocínio e Hamilton Cardoso, Heraldo Pereira, da TV Globo, revelou que
defender reportagens sobre as diferenças raciais nas empresas é tão
“complicado” quanto discutir a questão na sociedade.
“Acho que, muitas vezes, os negros são suprimidos do noticiário, de
modo geral”, avaliou Pereira. “As pessoas acham que o Brasil é um país
branco, inclusive nas redações [centrais de reportagem das empresas de
jornalismo].” Para ele, é preciso fazer “pressão” para que assuntos
sejam noticiados, além de ter mais negros jornalistas.
Heraldo Pereira também fez críticas ao racismo no país relatando
experiências pessoais e citando também caso de discriminação contra o
fato de negros ocuparem altos cargos em instituições como o Supremo
Tribunal Federal (STF). “Sempre nos fizeram crer que o racismo é coisa
da nossa cabeça: ´Você que está interpretando como racismo, eu não tive a
intenção, eu, imagina, tenho até empregada negra’. É sempre assim,
ninguém tem nunca a intenção de ser racista”, condenou Heraldo.
A coordenadora do Prêmio Jornalista Abdias Nascimento, Angélica Basthi
concordou com Heraldo, mas disse que o tempo é de mudança nas redações.
Segundo ela, reportagens sobre desigualdades raciais têm saído mais na
imprensa. Com a vitória das cotas raciais em universidades, no STF,
acrescentou, a cobertura ganhará fôlego, fazendo a sociedade a repensar a
condição do negro.
“A decisão do Supremo Tribunal consolida uma luta de anos do movimento
negro e estimula a imprensa brasileira a estar mais atenta e mais
sensível”, declarou Angélica Basthi.
Durante o evento, a viúva de Abdias, Elisa Larkin, aproveitou para
cobrar da Fundação Palmares a criação de um memorial onde as cinzas de
seu ex-marido estão, no antigo quilombo Palmares, na Serra da Barriga
(AL). “A lápide foi removida do local e a muda da árvore baobá [que
representa longevidade] foi comida por formigas. Está tudo abandonado”,
reclamou.
Direcionado a jornalistas, o Prêmio Abdias Nascimento distribuirá R$ 35
mil reais para reportagens que abordem a temática racial no país, em
sete categorias, sendo uma delas direcionada a matérias sobre a situação
da mulher negra. As inscrições podem ser feitas por jornalistas com
registro, a partir de amanhã (11).
Edição: Lana Cristina
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